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Impressão digital, latex e tinta acrílica s/ tela de algodão não preparada

Digital print, latex and acrylic paint on raw cotton canvas

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O faz de conta, a brincadeira como modo de aprendizagem da vida adulta. A encenação de histórias ou quadros identitários de uma família, de um povo, de uma região ou de um pais. O disfarce e a teatralização registados de modo voraz pela câmara fotográfica. E logo; o documento como prova de verdade, como registo da participação na brincadeira, na peça, na festa, na “performance”. É a fotografia como testemunho indesmentível de um: eu estive ali!  Que será posteriormente guardado e acarinhado no álbum de fotografias familiar. É esta contraditória vontade individual, singular e especifica de um Eu, que se manifesta, que se sonha, na evidência de uma “pose”. Nenhum dos protagonistas das fotografias ignora o seu papel perante a objectiva da máquina. Todos estão conscientes da técnica e do seu resultado, no entanto, fazem de conta, teatralizam em função dos adereços que os adornam, os prendem e os designam.

E é um sonho ou uma procura de um Eu contraditório, porque para que as tradições se mantenham, é preciso que aqueles que dão existência a uma qualquer personagem de uma narração originária, mudem, uma e outra vez, diluindo o Eu na comunidade cumprindo, deste modo, o propósito instituído na e pela pose.

Como transformar a banalidade e a imobilidade da pose?  Como articular o desejo e a procura de um Eu com a manutenção e as necessidades do colectivo?  Em definitivo:  como fazer da imobilidade uma continuidade, uma modulação ou um caminho?
É o que o trabalho de Andrea Inocêncio, por um lado, interpela, e, ao mesmo tempo, revela.

Ulisses, no seu regresso, só é reconhecido pela sua querida ama. Só ela é capaz de reconhecer naquele estranho o rei de Itaca. Uma antiga cicatriz feita nas brincadeiras quando criança “diz-lhe” quem é verdadeiramente aquele estrangeiro. Deste modo a cicatriz funciona como uma memória, é uma marca que tanto singulariza o sonho, o corpo de quem sonha e a comunidade a que pertence. Depois da viagem o regresso, para constatar que na realidade nunca se esteve muito longe. O rei pode voltar a ocupar o seu trono.     Andrea Inocêncio, ao associar a marca fotográfica com o corpo pictórico, parece aproximar-se a uma vontade por inscrever, num para sempre absoluto, a fugidia imagem do presente. Poder-se-á dizer que a sua contemporaneidade não radica na imagem enquanto tal, mas sim, nos mecanismos, nas técnicas e nos materiais utilizados na inscrição desta mácula ou cicatriz fotográfica. A pose fotográfica é implantada na superfície do corpo pictórico, como se de uma tatuagem se tratasse, para gravar e singularizar o corpo que a recebe e a memória desse momento iniciático que libera e abre a possibilidade de uma nova etapa, de uma viagem à procura de um Eu, e marca definitivamente também, a pertença à nossa Itaca.

Augusto Carvacho, Junho de 2005

 

 

Este conjunto de trabalhos/obras de Andrea Inocêncio baseia-se, como habitualmente no seu percurso artístico, no registo fotográfico posteriormente manipulado de acordo com a sua sensibilidade muito particular com recurso a técnicas de pintura, área esta da sua formação académica.

Resultam de  uma pesquisa efectuada num meio insular/atlântico com as suas tradições e vivências peculiares revelando corpos, na sua plena juventude, com amarras quer simbólicas quer físicas. Em poses, sob fundo etnográfico, ilustrando a pequenez do meio em confronto com expectativas / sonhos. Sonhos, por vezes, imensos como ainda indefinidos para tão pouco espaço quer físico quer vivencial.

Assim sendo, assumiremos face a estas obras um papel de voyeurs de prisões nas quais habitam as emoções de um crescimento estranho mas não menos sublime.

José Cruzio (Professor/Artista Visual), Maio de 2005

 

 

 

 

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