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sem altar #2

Performance em co-criação com Dani d'Emilia (BR)

Performance in co-creation with Dani d'Emilia (BR)

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​​As embaixadoras da doença de São Vito

Duas malas, uma joelheira, alguns figurinos, tudo tem início com uma preparação. Preliminares absolutamente fundamentais, sobretudo se nos recordarmos de que se tratará de um enfrentamento com o mundo. O que não é pouca coisa, diga-se de passagem. Todo velho lobo o sabe, é preciso amanhar o solo, arrotear a terra, todo um trabalho preparatório para aqueles que pretendem instaurar novos territórios, cuidados e mimos indispensáveis que são como que o óleo com que se lubrificam as armas e as ferramentas que se levará para dentro da arena de luta.

   A luta começa. E, como era de se esperar, ao menos no início, o mundo não se dobra às investidas das performers. Rola, mas rola com o freio de mão puxado, por assim dizer. Pouco a pouco, chute a chute, o mundo vai cedendo, murchando, perdendo peso e dureza.  Isto é, é preciso chutar, chutar de novo, outra vez, incessantemente, chutar a Europa, a África, chutar o Brasil, a America Latina, os oceanos, chutar o céu e as estrelas. Diferentes jogadores o chutam, as performers, o rapaz magro, a estudante bela, o penetra tímido. Todos entram na dança.
   Maneira bastante astuta de explicitar como a mobilidade das nossas perspectivas não se faz em oposição ao mundo, ao tempo, ao que já pôde ter lugar na ordem das coisas. É um erro supor que a emergência do novo se faça à custa dos predecessores. Longe disso. O que a performance nos mostra com uma lucidez sem precedentes é precisamente como o grande escolho para o advento de novos modos de pensar, agir e sentir é, antes de mais nada, o congelamento das referências de que nos valemos para fundar e habitar novos territórios existenciais. A oposição verdadeira não é entre o imediato e a tradição, mas entre uma tradição mineralizada e outra dotado de algum grau de elasticidade. Se fôssemos obrigados a chutar apenas a Europa, o que até há pouco era uma realidade aparentemente insofismável, um movimento quase automático e espontâneo, especialmente nos guetos mais intelectualizados, teríamos aí sim um pensamento agonizante, moribundo, em estado terminal, mesmo que seus estertores não fossem assim tão evidentes, como nunca o são, já que o ponto de vista sentado não é nunca ofegante.
   O caráter alado do pensamento depende, portanto, de duas condições que amiúde são esquecidas ou deixadas de lado em nome de narrativas infestadas de jargões humanistas que não tem outra função senão a de apaziguar a doença de São Vito que habita os que se esforçam por criar novas mundividências. Estranhas médicas, essas duas performers. Elas certamente nos curam, mas a cura decorre justamente da introjeção de uma doença que impede que os espectadores permaneçam sossegadamente sentados na versão do mundo que habitam, mesmo entre aqueles que permaneceram todo o tempo com a bunda no chão das escadas da universidade.

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​Fabio Zanoni (Filósofo), 2012

 

 

 

 

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